Já ouviu falar do Nutri-Score? O nome pode ser-lhe desconhecido, mas talvez já tenha visto este símbolo de informação nutricional em alguns produtos no supermercado. 

Trata-se de uma barra com cinco cores (verde-escuro, verde-claro, amarelo, laranja e vermelho) e com cinco letras (de A até E) que surge na parte da frente dos pacotes de algumas marcas.

O Nutri-Score é um dos sistemas que pretende tornar mais simples para os consumidores a compreensão da composição nutricional dos géneros alimentícios. Mas o que significa cada uma dessas letras? Como são calculadas as classificações? E só o que é verde é saudável?

O Viral falou com três nutricionistas para perceber como funciona o Nutri-Score e quais as vantagens e desvantagens deste sistema.

O que é o Nutri-Score? 

O Nutri-Score é um sistema de cores (do verde ao vermelho) e letras (do A ao E) desenvolvido pela autoridade de saúde pública francesa que é colocado na parte da frente das embalagens de produtos alimentares processados. O objetivo é apresentar aos consumidores uma interpretação simplificada da composição nutricional daquele produto.

“Um produto alimentar com a cor verde e letra A é o que apresenta melhor classificação através da fórmula de cálculo de qualidade nutricional, e o E (representado pela cor vermelha) o que tem menor qualidade”, explica Catarina Augusto, nutricionista e professora auxiliar na Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto.

Este mecanismo faz parte dos sistemas de etiquetagem colocados na parte frontal das embalagens (conhecidos pela sigla inglesa FoPL – front-of-pack labelling) – em oposição à tabela nutricional, normalmente colocada na parte de trás ou de lado das embalagens.

Existem diferentes tipos de sistemas FoPL: os que apresentam informação por nutriente específico (como o semáforo nutricional), os que analisam sumariamente a composição do alimento (no qual se inclui o Nutri-Score) e os que juntam ambas as análises (como o Health Star Rating).

A Organização Mundial de Saúde considera que “os esquemas interpretativos parecerem ser úteis para os consumidores, uma vez que providenciam algumas indicações da qualidade nutricional do produto e simplificam a informação nutricional disponível na parte de trás da embalagem”.

O Nutri-Score “serve, idealmente, para simplificar a informação ao consumidor”, explica ao Viral Gabriela Ribeiro, professora de nutrição e metabolismo na NOVA Medical School. 

Além disso, este sistema permite “adicionar informação mais visual que permita às pessoas fazerem escolhas mais saudáveis”, o que, segundo a professora, “é interessante para comparar produtos dentro da mesma categoria”.

Também José Camolas, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Instituto Egas Moniz, destaca o Nutri-Score pela “fácil e rápida interpretação” com que permite ao consumidor “modular a escolha sem necessitar de uma literacia muito grande em termos nutricionais” e sem ter de “interpretar a composição nutricional” completa do alimento. 

A utilização de elementos visuais nas escolhas de alimentos mais saudáveis está estudada em vários artigos científicos. Uma revisão sistemática, que incluiu 36 artigos, concluiu que, “em geral, as pessoas de todas as faixas socioeconómicas estavam cientes e eram mais propensas a prestar atenção à FoPL do que ao painel de informações nutricionais fornecido no verso da embalagem”. 

Um estudo desenvolvido em Portugal analisou o impacto de diferentes tipos de FoPL nos consumidores portugueses. Os dados recolhidos numa experiência, que contou com a participação 1.059 pessoas, levaram os investigadores a concluir que “o Nutri-Score é o mais eficiente FoPL para informar os consumidores portugueses da qualidade nutricional da comida e ajudá-los a identificar opções mais saudáveis em situações de compra simulada”.

Como funciona o Nutri-Score?

A atribuição de uma classificação nível Nutri-Score resulta dos cálculos realizados por um algoritmo científico, que tem por base os valores nutricionais referentes a 100g de alimento ou 100ml de bebida.

Catarina Augusto explica que “o cálculo do perfil nutricional tem em conta os nutrientes cujas quantidades devem ser limitadas – tais como energia (calorias), gordura saturada, açúcar e sal – e também considera os nutrientes e alimentos que devem ser incentivados ao consumo – tais como frutas, hortícolas, leguminosas, oleaginosas, azeite, assim como a quantidade de fibra e de proteína”.

Na prática, cada uma destas variáveis materializa-se em números: para os quatro componentes considerados menos favoráveis, a pontuação pode ir de 0 a 10 pontos, enquanto nos três fatores preferenciais (fibra, proteína e legumes/frutas) são atribuídos pontos dos -5 ao 0.

Somando o valor de todos os parâmetros, chega-se à classificação geral do alimento e é atribuída uma cor, com a respetiva letra. Se o alimento atingir um valor entre -15 e -1, recebe classificação A (verde-escuro); se da soma resultar um número entre 19 e 40, o produto irá receber a letra E (vermelho).

O algoritmo da Nutri-Score proporciona “um resultado composto”, acrescenta José Camolas. Quer isso dizer que, para obter a classificação, são analisadas diferentes variáveis nutricionais. 

Neste sistema pressupõe-se que “há um conjunto de nutrientes que, em função da proporção no alimento, se traduzem numa indicação mais ou menos favorável”.

A utilização do algoritmo tem vindo a causar discussão. Nas redes sociais, circula uma publicação onde se mostra que um pacote de cereais Chocapic tem nota A (verde-escura), enquanto um saco de sementes de girassol surge com classificação C (amarelo). Gabriela Ribeiro lembra que “não faz sentido comparar Chocapic com sementes”.

“São categorias diferentes, não faz sentido comparar. Faz sentido comparar alimentos dentro da mesma categoria”, afirma a especialista em nutrição, dando como exemplo os diferentes tipos de leite e as bebidas vegetais. 

Além disso, a especialista lembra que as sementes de girassol têm uma composição calórica “muito alta, o que vai dar uma pontuação alta na gordura”, acrescenta.

O vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas também pede alguma cautela com o algoritmo do Nutri-Score: “É necessário perceber se estamos seguros de que o algoritmo utilizado é, de facto, o que mais protege a saúde e, ao mesmo tempo, o mais indicativo da qualidade nutricional do alimento”, afirma nutricionista.

Camolas sublinha ainda que esta avaliação ao algoritmo deve ser continuada, para “aprimorar os fatores da equação”, com base em evidência científica, dando ao consumidor a melhor informação nutricional possível.

Quais as vantagens e desvantagens do Nutri-Score?

Uma das principais vantagens da utilização do Nutri-Score, ou de outro FoPL, é a simplificação da informação nutricional. Os três nutricionistas contactados pelo Viral consideram que a utilização de um esquema de cores pode levar o consumidor a perceber mais facilmente a qualidade nutricional do alimento.

“Os sistemas de classificação servem para simplificar a leitura de rótulos e ajudam a perceber se um produto pode ser consumido em maior ou menor frequência”, começa por dizer Catarina Augusto, lembrando que “Portugal é um país com baixa literacia em saúde, e, em particular, nutricional”.

No mesmo sentido, José Camolas considera que este tipo de rótulo permite ao consumidor fazer “uma escolha expedita”, “sem exigir uma literacia nutricional e alimentar muito profunda”. O nutricionista reforça que uma embalagem com a categoria do Nutri-Score vai “facilitar a escolha nutricionalmente adequada” de entre uma gama de produtos semelhantes.

Apesar de considerar a simplificação uma vantagem – em que a pessoa “olha e percebe rapidamente” –, Gabriela Ribeiro alerta para o perigo de “simplificar demasiado”. 

“A pessoa passa a ver este sistema como uma ferramenta isolada e faz uma interpretação simplista. Ou seja, pode passar a pensar que uma alimentação saudável passa por comer alimentos da categoria A, o que não é verdade”, sustenta.

A professora de nutrição sublinha ainda que este sistema tem também a vantagem de “incentivar os produtores a reformular a produção dos alimentos”, tornando-os mais competitivos na busca por uma produção saudável.

Quanto às desvantagens, o vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas volta a referir a questão do algoritmo.

“É desvantajoso se percebermos que o algoritmo utilizado e as variáveis envolvidas estão menos bem caracterizadas e menos bem definidas”, afirma o especialista, dando como exemplo as gorduras que, apesar de serem um fator negativo, se sabe que “nem todas têm o mesmo impacto na saúde”. 

A acrescentar às limitações do Nutri-Score, Catarina Augusto refere que o sistema analisa apenas a quantidade dos nutrientes por 100g ou 100ml, o que significa que “não considera o tamanho da porção consumida, o que é fundamental ter em conta para ter um peso e alimentação saudável”

O Nutri-Score está a ser aplicado em Portugal? E na Europa?

Como referimos no início deste artigo, é possível que já tenha visto alguns rótulos de informação simplificada nos supermercados portugueses. 

No entanto, a utilização deste símbolo ainda não é regulamentada. A colocação dos FoPL é voluntária e a escolha do sistema a utilizar é da responsabilidade das próprias empresas.

“Neste momento, nem em Portugal, nem à escala europeia, está consensualizado nenhum tipo de rotulagem simplificada. A opção de usar um exemplo de rotulagem simplificada é feita pela empresa ou pela cadeia de distribuição”, esclarece José Camolas, admitindo que a UE está a discutir a escolha de um sistema universal para os 27 Estados-membros.

No início de 2020, a UE comprometia-se a escolher um sistema de FoPL até ao final de 2022, mas a pandemia veio atrasar o processo. 

Até agora, ainda não foi tomada nenhuma decisão, mas, como refere José Camolas, é possível que, “até ao final do ano, a comunidade europeia se posicione sobre um determinado modelo de rotulagem”.

A opção por um único sistema – seja o Nutri-Score ou outro – poderia trazer vantagens aos consumidores na hora de escolher o alimento mais saudável. Com um sistema universal, os indivíduos podem fazer uma comparação nutricional mais adequada dos alimentos, tendo por base as mesmas variáveis.